Quando as Cinzas se Transformam em Vida Marinha
- Thais Riotto
- 11 de jul.
- 3 min de leitura
De todas as cerimônias humanas, poucas carregam pegada ambiental tão alta quanto os funerais.
Um sepultamento tradicional emite, em média, 833 kg de CO₂, enquanto uma cremação convencional deixa cerca de 400 kg – sem contar as 1,6 milhões de toneladas de concreto e 14 mil toneladas de aço que, todos os anos, são enterradas apenas nos Estados Unidos.
Diante desses números, a startup britânica Resting Reef propõe uma inversão de lógica: transformar as cinzas de pessoas (e de seus animais) em pequenos recifes que devolvem vida onde o oceano perdeu corais e ostras.
Da pós‑vida ao pós‑carbono
Fundada pelas designers Aura Murillo Pérez e Louise Skajem, a empresa nasceu ainda no mestrado das duas, quando pesquisavam a extinção de recifes de ostras – degradados em 85 % no globo – e de corais – 90 % sob ameaça direta da atividade humana.
A dupla apostou em aquamation, uma hidrólise alcalina que reduz o corpo a fragmentos minerais sem combustão, corta o consumo energético e evita emissões de mercúrio.
As cinzas resultantes são misturadas a conchas de ostra moídas e a um cimento marinho de baixa alcalinidade, desenvolvido para ser “bio‑receptivo”, isto é, fácil de ser colonizado por algas calcárias e corais jovens.
O bloco é então moldado em formas inspiradas em biomimética: canais, túneis e texturas que imitam recifes naturais, criando zonas de sombra, refúgio e substrato para filtradores e peixes‑abrigo.
Cada peça cura por algumas semanas em tanques de água do mar antes de ser ancorada a cerca de dez metros de profundidade em áreas costeiras degradadas.
Bali: prova de conceito
O primeiro piloto foi instalado em junho de 2024, na costa norte de Bali, em parceria com a North Bali Reef Conservation. Foram 24 esculturas carregando cinzas de cães e cavalos. Um ano depois, pesquisadores contabilizaram 84 espécies de peixes 14 vezes mais diversidade que nos pontos‑controle próximos.
Os relatórios preliminares falavam em 59 espécies, número atualizado após novas contagens subaquáticas.
A presença de algas calcárias acelerou a fixação de corais juvenis e reduziu a turbidez local, indicando restauração do micro‑ecossistema.
Expansão para o Reino Unido
Animada pelos resultados indonésios, a Resting Reef busca licença para seu primeiro recife memorial humano em Plymouth Breakwater, costa sul da Inglaterra, área já classificada como parque marinho nacional. O cronograma prevê liberação regulatória em 2026 e os primeiros mergulhos de instalação entre o fim de 2026 e o verão de 2027.
O custo inicial divulgado é de £ 3 900 por memorial individual – valor inferior ao funeral básico britânico médio (cerca de £ 4 800 em 2024).
Modelo de negócio e preços atuais
Enquanto o serviço humano não estreia, a empresa opera três faixas para pets em Bali:
Community Reef – cinzas compartilhadas, £ 350 (early‑bird);
Individual Reef – estrutura exclusiva, £ 2 250;
Experiential Reef – memorial sob medida, com cerimônia presencial na Indonésia, preço sob consulta.
O pacote inclui acompanhamento logístico das cinzas, certificado, miniatura do recife e relatórios fotográficos semestrais do crescimento biológico.
Benefícios ecológicos mensuráveis
Biodiversidade – aumento médio de quatro a quatorze vezes na riqueza de espécies de peixes em um ano (dependendo da linha de base).
Proteção costeira – as estruturas dissipam energia de onda e ajudam a reduzir erosão em praias vulneráveis.
Filtragem de água – ostras e algas ligadas ao recife podem filtrar até 200 litros de água por metro quadrado diariamente, melhorando clareza e qualidade.
Sequestro de carbono – projeções apontam captura gradual de CO₂ equivalente a 3–5 % da emissão evitada pela cremação tradicional, graças à calcificação dos organismos colonizadores.
Reconhecimento e parcerias
A Resting Reef já recebeu cinco bolsas Innovate UK, foi finalista do Terra Carta Design Lab (competição de inovação climática capitaneada pelo rei Charles III) e figura na lista Forbes 30 Under 30 Europa na categoria Impacto Social.
Negocia também aportar seus recifes em áreas degradadas no México e em parques submersos do Mediterrâneo, além de discutir um programa educacional com universidades britânicas de ciência marinha.
Um gesto que vira legado
Ao transformar restos mortais em macro‑invertebrados, peixes neon e corais ramosos, o projeto toca num ponto sensível da cultura ocidental: a desconexão entre morte e natureza. Cemitérios oceânicos como o da Resting Reef devolvem a matéria ao ciclo biológico e, de quebra, criam destinos de mergulho de memória, atraindo turismo científico e gerando renda local.
Seja como alternativa de luto ecológico ou como ferramenta de restauração costeira, a proposta prova que é possível reconciliar despedidas humanas com a urgência ambiental.
Afinal, quando as cinzas de um ser querido servem de alicerce para um recife vivo, o epitáfio se escreve em conchas e anêmonas, não em mármore e permanece ali, pulsando, toda vez que o oceano respira.
Site Oficial: https://restingreef.co.uk
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