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Quando as Cinzas se Transformam em Vida Marinha


De todas as cerimônias humanas, poucas carregam pegada ambiental tão alta quanto os funerais.


Um sepultamento tradicional emite, em média, 833 kg de CO₂, enquanto uma cremação convencional deixa cerca de 400 kg – sem contar as 1,6 milhões de toneladas de concreto e 14 mil toneladas de aço que, todos os anos, são enterradas apenas nos Estados Unidos.


Diante desses números, a startup britânica Resting Reef propõe uma inversão de lógica: transformar as cinzas de pessoas (e de seus animais) em pequenos recifes que devolvem vida onde o oceano perdeu corais e ostras.

 

Da pós‑vida ao pós‑carbono


Fundada pelas designers Aura Murillo Pérez e Louise Skajem, a empresa nasceu ainda no mestrado das duas, quando pesquisavam a extinção de recifes de ostras – degradados em 85 % no globo – e de corais – 90 % sob ameaça direta da atividade humana.


A dupla apostou em aquamation, uma hidrólise alcalina que reduz o corpo a fragmentos minerais sem combustão, corta o consumo energético e evita emissões de mercúrio.


As cinzas resultantes são misturadas a conchas de ostra moídas e a um cimento marinho de baixa alcalinidade, desenvolvido para ser “bio‑receptivo”, isto é, fácil de ser colonizado por algas calcárias e corais jovens.


O bloco é então moldado em formas inspiradas em biomimética: canais, túneis e texturas que imitam recifes naturais, criando zonas de sombra, refúgio e substrato para filtradores e peixes‑abrigo.


Cada peça cura por algumas semanas em tanques de água do mar antes de ser ancorada a cerca de dez metros de profundidade em áreas costeiras degradadas.

Bali: prova de conceito


O primeiro piloto foi instalado em junho de 2024, na costa norte de Bali, em parceria com a North Bali Reef Conservation. Foram 24 esculturas carregando cinzas de cães e cavalos. Um ano depois, pesquisadores contabilizaram 84 espécies de peixes 14 vezes mais diversidade que nos pontos‑controle próximos.


Os relatórios preliminares falavam em 59 espécies, número atualizado após novas contagens subaquáticas. 


A presença de algas calcárias acelerou a fixação de corais juvenis e reduziu a turbidez local, indicando restauração do micro‑ecossistema.

 

Expansão para o Reino Unido


Animada pelos resultados indonésios, a Resting Reef busca licença para seu primeiro recife memorial humano em Plymouth Breakwater, costa sul da Inglaterra, área já classificada como parque marinho nacional. O cronograma prevê liberação regulatória em 2026 e os primeiros mergulhos de instalação entre o fim de 2026 e o verão de 2027.


O custo inicial divulgado é de £ 3 900 por memorial individual – valor inferior ao funeral básico britânico médio (cerca de £ 4 800 em 2024).

 

Modelo de negócio e preços atuais


Enquanto o serviço humano não estreia, a empresa opera três faixas para pets em Bali:

  • Community Reef – cinzas compartilhadas, £ 350 (early‑bird);

  • Individual Reef – estrutura exclusiva, £ 2 250;

  • Experiential Reef – memorial sob medida, com cerimônia presencial na Indonésia, preço sob consulta.


O pacote inclui acompanhamento logístico das cinzas, certificado, miniatura do recife e relatórios fotográficos semestrais do crescimento biológico.

Benefícios ecológicos mensuráveis


  1. Biodiversidade – aumento médio de quatro a quatorze vezes na riqueza de espécies de peixes em um ano (dependendo da linha de base).


  2. Proteção costeira – as estruturas dissipam energia de onda e ajudam a reduzir erosão em praias vulneráveis.


  3. Filtragem de água – ostras e algas ligadas ao recife podem filtrar até 200 litros de água por metro quadrado diariamente, melhorando clareza e qualidade.


  4. Sequestro de carbono – projeções apontam captura gradual de CO₂ equivalente a 3–5 % da emissão evitada pela cremação tradicional, graças à calcificação dos organismos colonizadores.

 

Reconhecimento e parcerias

A Resting Reef já recebeu cinco bolsas Innovate UK, foi finalista do Terra Carta Design Lab (competição de inovação climática capitaneada pelo rei Charles III) e figura na lista Forbes 30 Under 30 Europa na categoria Impacto Social.


Negocia também aportar seus recifes em áreas degradadas no México e em parques submersos do Mediterrâneo, além de discutir um programa educacional com universidades britânicas de ciência marinha.

 

Um gesto que vira legado


Ao transformar restos mortais em macro‑invertebrados, peixes neon e corais ramosos, o projeto toca num ponto sensível da cultura ocidental: a desconexão entre morte e natureza. Cemitérios oceânicos como o da Resting Reef devolvem a matéria ao ciclo biológico e, de quebra, criam destinos de mergulho de memória, atraindo turismo científico e gerando renda local.


Seja como alternativa de luto ecológico ou como ferramenta de restauração costeira, a proposta prova que é possível reconciliar despedidas humanas com a urgência ambiental.


Afinal, quando as cinzas de um ser querido servem de alicerce para um recife vivo, o epitáfio se escreve em conchas e anêmonas, não em mármore e permanece ali, pulsando, toda vez que o oceano respira.



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