Mergulho em Naufrágios: Origem - Exploração Científica e Impactos
- Thais Riotto
- há 4 dias
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Este artigo apresenta, de forma breve, mas com o objetivo de provocar uma reflexão sobre as origens documentadas do mergulho em naufrágios, seus marcos tecnológicos e científicos, e os efeitos ecológicos associados à presença desses destroços no fundo marinho.
A análise compreende desde os primeiros registros de mergulho com fins de reconhecimento até as práticas arqueológicas modernas, assim como os impactos ambientais, tanto benéficos quanto negativos, para a biodiversidade aquática.
Os naufrágios sempre despertaram curiosidade e fascínio humano. Historicamente ligados a perdas e tragédias, passaram a ser vistos, a partir do século XIX, como portais para o passado e fontes de dados arqueológicos e ecológicos.
Com o avanço do mergulho com escafandro e, posteriormente, do mergulho autônomo (SCUBA), tornou-se possível explorar e penetrar esses destroços com segurança crescente, abrindo espaço para estudos mais sistemáticos.
Origens Históricas do Mergulho em Naufrágios
A prática de mergulho remonta a tempos antigos. Heródoto relatou usos de tubos ocos para respiração em submersões no século V a.C.
No entanto, o primeiro caso documentado de mergulho com penetração em naufrágio ocorreu em 1836, durante a exploração do navio Mary Rose por John e Charles Deane, utilizando capacetes conectados a mangueiras de ar da superfície.
Esse marco inaugurou a possibilidade de exploração interna de estruturas náuticas submersas com finalidades de resgate e, posteriormente, pesquisa.
Outro marco importante foi a escavação do naufrágio fenício de Cape Gelidonya (c. 1200 a.C.), liderada por George Bass em 1959, considerada a primeira intervenção arqueológica sistemática em naufrágios, empregando metodologias comparáveis às da arqueologia terrestre.
Tecnologias de Mergulho - No Passado
As campânulas de mergulho no século XVI, como as usadas por Guglielmo de Lorena, representaram os primeiros sistemas para permanência submersa.
O escafandro com capacete de ar (Deane e Siebe, século XIX) consolidou as bases do mergulho moderno.
A partir de 1943, com o desenvolvimento do aqualung por Jacques-Yves Cousteau e Émile Gagnan, surgiu o mergulho autônomo, que permitiria explorações mais longas e profundas sem conexão direta com a superfície.
A arqueologia começou com Cousteau em 1948, durante a exploração de destroços romanos no Mediterrâneo, marcando o início de uma nova era na arqueologia subaquática.
Novas Tecnologias Aplicadas ao Estudo de Naufrágios
Nas últimas décadas, os avanços tecnológicos têm desempenhado um papel fundamental na exploração, documentação, preservação e monitoramento de naufrágios ao redor do mundo.
Estes recursos inovadores vêm transformando a abordagem científica sobre os destroços submersos, permitindo análises mais precisas e menos invasivas, além de ampliar o conhecimento sobre o impacto ambiental, histórico e arqueológico dessas estruturas.
Entre as tecnologias de maior destaque, os Veículos Operados Remotamente (ROVs) e os Veículos Subaquáticos Autônomos (AUVs) permitem a exploração em grandes profundidades, onde o mergulho humano seria inviável ou extremamente arriscado.
Equipados com câmeras de alta definição, sensores multifeixe e braços robóticos, esses dispositivos podem mapear os destroços em 3D, coletar amostras biológicas e realizar medições físico-químicas in loco.
Outra inovação relevante é a utilização de tecnologia de sonar de varredura lateral (Side-scan Sonar) e sonar multifeixe (Multibeam Echo Sounder), capazes de produzir imagens detalhadas do relevo marinho e da estrutura dos naufrágios, mesmo quando parcialmente enterrados nos sedimentos.
Esses dados são fundamentais para a construção de modelos digitais que auxiliam em estudos arqueológicos, ambientais e de engenharia marítima.
O mapeamento fotogramétrico subaquático, com o uso de softwares avançados, tem possibilitado a reconstrução tridimensional de naufrágios com alta precisão, oferecendo recursos visuais valiosos para pesquisas científicas, preservação patrimonial e turismo subaquático controlado.
Adicionalmente, sensores químicos e espectrometria subaquática estão sendo utilizados para avaliar os impactos ambientais dos naufrágios, como a liberação de hidrocarbonetos, metais pesados e outros contaminantes.
Tais ferramentas são cruciais para compreender os efeitos do contato dos materiais da embarcação com a água do mar, incluindo corrosão, alterações na composição da fauna e flora locais, e modificações nos sedimentos marinhos.
Tecnologias de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina também têm sido aplicadas na análise de grandes volumes de dados coletados em expedições, facilitando a identificação automática de padrões e anomalias, além de contribuir para o monitoramento contínuo das condições estruturais dos destroços.
A integração de todas essas tecnologias representa uma nova era para a arqueologia subaquática e para o gerenciamento de riscos ambientais associados a naufrágios.
Ao possibilitar uma abordagem multidisciplinar, que une ciência, história e tecnologia, essas ferramentas promovem não apenas o avanço do conhecimento, mas também a proteção do patrimônio cultural submerso e dos ecossistemas marinhos vulneráveis.
Impacto dos Naufrágios na Vida Marinha
Benefícios Ecológicos
Naufrágios submersos, ao longo do tempo, transformam-se em recifes artificiais. Suas estruturas fornecem abrigo e substrato para colonização de esponjas, corais, moluscos e crustáceos.
Além disso, atraem peixes e outras formas de vida, promovendo um aumento local da biodiversidade.
Muitos projetos de destinação de embarcações para afundamento controlado têm sido realizados com o objetivo de estimular a vida marinha e reduzir pressão sobre recifes naturais.
Riscos Ambientais e Aspectos Químicos
Apesar dos benefícios potenciais, naufrágios também representam ameaças ecológicas. Resíduos tóxicos, combustíveis, materiais contaminantes e estruturas instáveis podem causar degradação ambiental.
No momento em que uma embarcação afunda, diversos processos químicos são desencadeados.
O contato de metais ferrosos com a água salgada inicia reações de oxidação e corrosão galvânica, que resultam na liberação de íons metálicos no ecossistema.
Compostos como cobre, chumbo e zinco podem alterar a composição química local, afetando a saúde de organismos filtradores e interferindo em ciclos biogeoquímicos.
Adicionalmente, óleos e combustíveis presentes nos tanques ou compartimentos da embarcação podem vazar gradualmente, contaminando a coluna d'água e os sedimentos.
Esses hidrocarbonetos afetam diretamente a fauna bentônica e podem alterar o pH e os níveis de oxigênio dissolvido. A longo prazo, o acúmulo de produtos da decomposição metálica pode gerar zonas de hipóxia e acidificação localizada.
Na geologia do fundo marinho, o peso e o impacto do naufrágio causam compactação e perturbação dos sedimentos.
A presença do casco pode criar microambientes anaeróbicos, alterar o fluxo de correntes de fundo e influenciar processos de sedimentação. Tais mudanças geofísicas podem interferir tanto na distribuição de nutrientes quanto na estabilidade de habitats próximos.
O mergulho em naufrágios evoluiu de uma prática de risco e curiosidade para uma disciplina consolidada que une tecnologia, arqueologia e biologia marinha.
Sua contribuição à compreensão do passado e à conservação da biodiversidade oceânica é inegável.
No entanto, é fundamental que essas atividades sejam conduzidas com responsabilidade, respeitando tanto o patrimônio cultural quanto os equilíbrios ambientais e químico-geológicos do fundo do mar.
Algumas das minhas bases de pesquisas
LIVROS E OBRAS ACADÊMICAS
Bright, M. (2005). Shipwreck: The Strange Fate of the Lusitania. Penguin Books.
Aborda aspectos históricos e científicos de naufrágios famosos.
McKinnon, J.F. & Green, J.N. (2009). Maritime Archaeology: A Technical Handbook. Sydney: UNSW Press.
Fitzgerald, M. (2016). Submerged: Shipwreck Archaeology in the Digital Age. Routledge.
Bass, G.F. (1988). Ships and Shipwrecks of the Americas. Thames & Hudson.
Whitewright, J. (2011). Maritime Archaeology and Social Relations: British Action in the Mediterranean 1600–1800. Springer.
ARTIGOS CIENTÍFICOS E PUBLICAÇÕES ACADÊMICAS
Couto, C.T. et al. (2020). Shipwrecks as artificial reefs: A meta-analysis of fish assemblages. Marine Environmental Research, 160, 104972.
Ajemian, M. J., Wetz, J. J., Shipley, L. O., & Stunz, G. W. (2015). An analysis of artificial reef fish community structure along the Texas coast. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 473, 31–43.
Silva, E. D., & Oliveira, R. C. (2015). Contribuições da arqueologia subaquática no Brasil: estudo de naufrágios históricos. Revista de Arqueologia Pública, 9(1), 125–140.
Peres, J. (2019). Chemical degradation processes of shipwreck materials and their impact on marine ecosystems. Oceanography and Marine Biology Annual Review, 57, 101–130.
Sammarco, P. W., Atchison, A. D., & Boland, G. S. (2004). Expansion of coral communities within the northern Gulf of Mexico via offshore oil and gas platforms. Marine Ecology Progress Series, 280, 129–143.
ASPECTOS QUÍMICOS & IMPACTOS AMBIENTAIS
Millero, F. J. (2013). Chemical Oceanography (4th ed.). CRC Press.
Stumm, W., & Morgan, J. J. (1996). Aquatic Chemistry: Chemical Equilibria and Rates in Natural Waters. Wiley-Interscience.
UNESCO – Intergovernmental Oceanographic Commission (2011). Underwater Cultural Heritage and Marine Science.
Documento técnico que relaciona ciência, conservação e química do ambiente marinho.https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000212736
SITES, BASES DE DADOS E ORGANISMOS DE PESQUISA
NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration
ICOMOS – International Council on Monuments and Sites – Scientific Committee on Underwater Cultural Heritage
https://icomos.org/en/what-we-do/focus/uncovering-the-underwater-heritage
IBPESCA – Instituto Brasileiro de Pesquisas Subaquáticas
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
SciELO Brasil – Biblioteca Científica Eletrônica Online
DISSERTAÇÕES E TESES
SANTOS, A. L. dos. (2018). O naufrágio como patrimônio cultural subaquático: estudo de caso da Corveta Ipiranga (V17). Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – UFRJ.
CUNHA, R. A. (2019). Naufrágios como estrutura de suporte à biodiversidade marinha no litoral brasileiro. Tese (Doutorado em Oceanografia) – USP.
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