A ilha onde os fantasmas caminham em silêncio sobre as pedras brancas
- Thais Riotto
- 28 de jul.
- 4 min de leitura
Local: A Ilha do Presídio, Guaíba, Porto Alegre, RS – Brasil
No meio do Lago Guaíba, entre Porto Alegre e Guaíba, repousa um pedaço de terra granítica com aura misteriosa e história densa: a Ilha do Presídio, também conhecida como Ilha das Pedras Brancas ou, em tempos antigos, Ilha da Pólvora.
Esquecida pelo tempo, mas jamais pela memória coletiva, ela é um dos lugares mais enigmáticos do Rio Grande do Sul, cruzamento entre arquitetura militar, natureza selvagem, lendas populares e tragédias políticas.
Um Solo Carregado de História
Muito antes de se tornar um presídio, a ilha já despertava atenção. Sabe-se que povos indígenas usavam o local para práticas espirituais, e sua localização estratégica a transformou em entreposto militar durante a Revolução Farroupilha (1835–1845).
Mas foi em 1857, com a construção da 4ª Casa da Pólvora do Exército Imperial, que a ilha passou a cumprir papel tático: armazenar pólvora e armamentos longe da população.
Na década de 1940, o local chegou a abrigar um laboratório de testes sanitários contra a peste suína, mas seu uso mais conhecido viria logo depois. Em 1956, as construções da ilha foram reformadas e adaptadas para funcionar como presídio de segurança máxima.
Ali foram encarcerados presos comuns, menores infratores, pessoas com distúrbios mentais e, durante a Ditadura Militar, presos políticos, entre eles militantes de esquerda, sindicalistas e estudantes.
O presídio foi desativado em 1983. Desde então, a ilha permanece fechada ao público, lentamente sendo tomada pela natureza e pelo mistério.
Arquitetura Brutalista em Ruínas
A arquitetura da Ilha do Presídio é rústica e funcional, típica das construções militares do século XIX, moldada com blocos de granito branco extraídos da própria região.
O isolamento geográfico foi aproveitado estrategicamente para a construção de um complexo de segurança máxima, cuja robustez e austeridade ainda impressionam.
O prédio principal segue um modelo de corredor central com celas laterais, sistema de fácil vigilância, com mais de 10 celas retangulares de paredes grossas e pequenas aberturas para ventilação.
Há também o “Campo Santo”, uma sala isolada que teria abrigado os presos políticos mais perigosos aos olhos do regime militar. Ao redor, estruturas secundárias, como as antigas guaritas, quatro originalmente, duas ainda em pé e depósitos da época em que o local armazenava munições.
As paredes, hoje cobertas por musgos, ainda conservam marcas de grades arrancadas, inscrições deixadas por prisioneiros e ferragens oxidadas que contrastam com o verde da vegetação.
Natureza Selvagem e Recolonização Natural
Mesmo marcada por décadas de clausura e abandono, a ilha passou por uma espécie de "cura orgânica".
A vegetação nativa ressurge pelas rachaduras das construções, e espécies como figueiras, cactos, bromélias e líquens tomam conta das estruturas. A fauna também floresceu: aves lacustres, morcegos, pequenos répteis e insetos fazem da ilha seu refúgio.
Esse equilíbrio curioso entre ruína e regeneração transforma o local num santuário pós-histórico, onde a natureza parece disposta a encobrir os traumas do passado com o silêncio das folhas e o som das águas.
Eternos Moradores
Poucos lugares carregam tantas camadas de energia densa quanto a Ilha do Presídio. As lendas começam com relatos de luzes misteriosas à noite algumas associadas a padres ou monges jesuítas, supostamente mortos e enterrados ali, guardando um tesouro escondido.
Outros contam sobre barcos fantasmas, sons de correntes e choros vindos da mata fechada.
Mas são os ecos da repressão militar que mais assombram: O caso do sargento Manoel Raymundo Soares, encontrado morto com as mãos amarradas após ser preso na ilha, chocou a opinião pública e virou símbolo da violência do regime. Muitos relatam ainda hoje uma presença pesada ao se aproximarem do local como se as memórias das celas ainda estivessem vivas.
Há ainda histórias pitorescas de fugas espetaculares, como o preso que teria escapado usando uma panela como embarcação e uma colher como remo, tornando-se quase uma lenda urbana local.
Memória e Tombamento
Em 2014, a Ilha do Presídio foi tombada como patrimônio histórico, arqueológico e etnográfico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), reconhecendo não apenas sua importância arquitetônica, mas sua carga simbólica na luta por democracia e direitos humanos.
Desde então, iniciativas de preservação vêm sendo propostas. A Prefeitura de Guaíba, que assumiu a administração da ilha em 2006, planeja projetos de revitalização ambiental, passeios históricos controlados e ações educativas para recontar a história da repressão e da resistência em solo gaúcho.
Visitação e Curiosidade Turística
Atualmente, a Ilha do Presídio não está aberta para visitação pública regular, mas há expedições esporádicas promovidas por instituições de preservação, historiadores e grupos de trilhas náuticas. Chega-se lá de barco, caiaque ou pequenas lanchas, com acompanhamento técnico.
Se a proposta for conhecer um local onde a pedra guarda a dor, onde a arquitetura se curva à selva, e onde a história se mistura com o folclore, a Ilha do Presídio é uma parada obrigatória para os amantes de turismo histórico, arqueológico e assombrado.
A Ilha em uma frase:
"É o tipo de lugar onde o tempo parou e onde os fantasmas caminham em silêncio sobre as pedras brancas."





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