Arqueologia Subaquática e os Achados Inusitados na Costa Brasileira: Entre a Memória Histórica e os Desafios de Preservação
- Thais Riotto
- 10 de out.
- 4 min de leitura

Introdução
A costa brasileira abriga um vasto patrimônio submerso que vai muito além da biodiversidade marinha. Descobertas recentes revelam a presença de naufrágios históricos, restos de infraestruturas costeiras e possíveis vestígios arquitetônicos ocultos sob as águas.
A intensificação de levantamentos hidrográficos e arqueológicos com tecnologias de alta resolução, como side-scan sonar (SSS) e multibeam echosounder (MBES), tem ampliado a compreensão sobre a dimensão e a diversidade desse patrimônio.
No entanto, tais achados também acendem um alerta sobre os riscos de degradação, saque e perda de informações históricas de valor inestimável.
O Caso do Vital de Oliveira: Memória da II Guerra no Fundo do Mar
Em 2025, a Marinha do Brasil confirmou a identificação do naufrágio do navio auxiliar Vital de Oliveira, torpedeado em 19 de julho de 1944 pelo submarino alemão U-861.
O ataque resultou em quase cem mortes e deixou o casco repousando a profundidades significativas na costa do Rio de Janeiro.
Processo de descoberta: pescadores haviam relatado redes presas em uma estrutura metálica com canhões, o que motivou investigações oficiais.
Metodologia: o uso combinado de multibeam e side-scan sonar permitiu gerar imagens acústicas detalhadas e reconstruções tridimensionais do naufrágio, confirmadas por inspeções visuais.
Impacto histórico: este é o único navio de guerra brasileiro confirmado como vítima direta de forças inimigas na II Guerra, reforçando a necessidade de políticas de preservação de sítios de guerra submersos.
A descoberta, apesar de representar um marco para a arqueologia naval, levanta preocupações sobre vulnerabilidade ao saque e degradação acelerada pelo ambiente marinho.
Naufrágios Coloniais: Vestígios do Passado Ibérico
Além dos registros modernos, há evidências crescentes de naufrágios coloniais ao largo de Santa Catarina, datados possivelmente do século XVI.
Entre os achados, destacam-se fragmentos cerâmicos, estruturas metálicas corroídas e artefatos com inscrições heráldicas atribuíveis à navegação ibérica.
Relevância científica: oferecem dados únicos sobre as primeiras rotas marítimas do Atlântico Sul e sobre as tecnologias navais utilizadas no período de expansão colonial.
Risco de perda: devido à ação de correntes, soterramento e corrosão, esses sítios apresentam estado de preservação frágil e necessitam de investigação arqueológica controlada.
Desafios: a ausência de um mapeamento sistemático expõe tais achados à exploração clandestina por caçadores de tesouros.
Infraestruturas Submersas e Fundações Costeiras
Relatórios recentes de levantamentos com sonar de varredura lateral e inspeções de campo revelaram estruturas lineares e concentrações de blocos que podem ser interpretadas como restos de cais, muros ou fundações costeiras.
Em regiões como Cananéia, foram identificados canhões isolados e peças metálicas que sugerem tanto a presença de embarcações quanto de fortificações associadas ao controle portuário no período colonial.
Ambiguidade interpretativa: nem todas as anomalias são necessariamente de origem antrópica, podendo resultar de processos geológicos ou deposicionais.
Exigência de rigor: apenas análises estratigráficas, datação (C-14/OSL) e escavações controladas poderão confirmar a natureza arquitetônica desses achados.
Preocupação: a divulgação precoce de supostos “pavimentos submersos” sem validação científica pode levar a interpretações equivocadas ou à exploração predatória.
Tecnologias de Detecção: Aliadas e Limitadoras
O avanço da arqueologia marinha no Brasil se deve principalmente à incorporação de tecnologias modernas:
Side-scan sonar (SSS): ideal para identificar alvos e estruturas projetando sombras acústicas.
Multibeam echosounder (MBES): permite reconstrução batimétrica detalhada e modelos tridimensionais.
Magnetômetros: detectam concentrações metálicas, fundamentais na localização de canhões e cascos.
ROVs e mergulhadores técnicos: fazem inspeções visuais e registram imagens de alta resolução.
Fotogrametria 3D: garante preservação digital dos sítios sem necessidade de remoção imediata.
Apesar de eficientes, essas tecnologias dependem de investimento elevado, o que limita a abrangência das campanhas no Brasil.
Impactos Negativos e Preocupações
A descoberta desses sítios submersos levanta uma série de questões críticas:
Risco de degradação acelerada: ambientes marinhos promovem corrosão e dispersão de artefatos.
Saque e exploração ilegal: caçadores de tesouros ameaçam o patrimônio histórico nacional.
Perda de contexto científico: remoções sem metodologia arqueológica resultam em perda irreversível de informação.
Fragilidade da proteção legal: embora o Brasil tenha legislação de proteção ao patrimônio cultural submerso, a fiscalização é insuficiente frente à vastidão da costa.
Carência de protocolos nacionais integrados: muitos achados ainda dependem de iniciativas isoladas de universidades ou da Marinha, dificultando a consolidação de um inventário amplo e sistemático.
Os achados submersos da costa brasileira do naufrágio militar do Vital de Oliveira a vestígios coloniais e possíveis fundações costeiras revelam não apenas a riqueza histórica das águas nacionais, mas também os riscos que esse patrimônio enfrenta.
O futuro da arqueologia subaquática no Brasil depende da integração entre ciência, políticas públicas e preservação patrimonial, exigindo protocolos claros, inventários oficiais e campanhas contínuas de mapeamento.
Sem essas ações, corre-se o risco de perder não apenas vestígios materiais, mas fragmentos fundamentais da história marítima do país.
Bibliografia
BRASIL. Marinha do Brasil. Projeto Atlas dos Naufrágios de Interesse Histórico da Costa do Brasil. Disponível em: https://www.marinha.mil.br. Acesso em: 25 set. 2025.
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RAMBELLI, Gilson. A arqueologia subaquática no Brasil. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 8: 53-62, 2009. Disponível em: https://revistas.usp.br/revmaesupl/article/view/113508. Acesso em: 25 set. 2025.







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