O Cemitério Flutuante e Assombrado da Baía de Guanabara
- Thais Riotto
- 2 de out.
- 3 min de leitura

Local: Baía de Guanabara, RJ/BR
O palco natural das histórias
A Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, é um dos cartões-postais mais famosos do mundo. Rodeada pelo Pão de Açúcar, pelo Cristo Redentor e pela intensa vida urbana, ela guarda um lado menos conhecido e perturbador: os destroços de inúmeras embarcações que repousam em suas águas, compondo um cenário digno de um cemitério marinho.
Ali, a beleza e o mistério se encontram. O contraste entre a paisagem turística e as sombras submersas cria a sensação de que a baía é um portal entre a glória e o esquecimento.
O nascimento de um cemitério náutico
Ao longo de mais de quatro séculos, a Guanabara testemunhou batalhas navais, acidentes, naufrágios e abandonos.
Como um guardião silencioso, o mar foi acumulando os corpos de ferro e madeira que hoje compõem o “cemitério flutuante”. Entre os fatores que deram origem a esse acervo sombrio estão:
Tempestades repentinas, que surpreendiam barcos menores.
Guerras e conflitos navais, como as lutas contra corsários franceses no século XVI ou a Batalha de 1823, durante a Independência.
Abandono de embarcações, prática comum até o século XX, quando navios velhos eram simplesmente deixados à deriva ou encalhados nas margens.
As embarcações que repousam nas águas
O inventário não é completo, mas estudos e relatos apontam dezenas de embarcações desaparecidas na Guanabara. Entre elas:
Galeões coloniais: navios portugueses que, nos séculos XVI e XVII, afundaram em choques contra corsários franceses ou vítimas de tempestades.
Navio inglês Thetis (1830): transportava um tesouro de ouro e prata da Coroa Britânica quando naufragou próximo à Ilha Rasa. Parte da carga foi recuperada em uma operação histórica, mas a lenda diz que moedas ainda repousam nas areias da baía.
O vapor Aquidabã (1906): navio de guerra da Marinha brasileira que explodiu misteriosamente próximo à Ilha de Cabo Frio antes de ser rebocado, com mortos e sobreviventes levados para a Guanabara.
Casco do navio Itaoca: encalhado nos anos 1980, tornou-se ponto de referência entre pescadores.
Barcos de pesca e cargueiros menores, abandonados no fundo ou às margens da baía, compondo um quadro fantasmagórico de ferragens enferrujadas.
Onde repousam os fantasmas
Não há um único ponto fixo, mas sim vários núcleos de naufrágios:
Próximo à Ilha das Enxadas e à Ilha Fiscal: registros de naufrágios antigos ligados ao período colonial.
Canal de acesso ao Porto do Rio de Janeiro: onde embarcações foram tragadas por tempestades repentinas.
Margens da Ilha do Governador: área que concentra cascos abandonados e esqueletos de madeira à flor-d’água.
Enseada de Botafogo e Urca: locais de relatos de barcos encalhados que nunca foram totalmente retirados.
Esses pontos são considerados verdadeiros cemitérios dispersos, visíveis em mapas náuticos e em registros arqueológicos subaquáticos.
O lado invisível: O mistério e as lendas
Mais do que destroços, a Guanabara alimenta o imaginário popular com histórias de aparições e assombrações:
Luzes errantes: pescadores relatam faíscas azuladas que brilham na superfície, como se fossem lanternas de bordo de navios do passado.
Vozes no vento: navegadores noturnos dizem ouvir cantos, gritos de ordens militares ou o pranto de mulheres vindo da escuridão.
A nau que nunca chega: há registros orais de um “navio fantasma” que aparece como sombra entre Niterói e o Rio, mas desaparece assim que alguém tenta se aproximar.
Entre arqueologia e esquecimento
Hoje, pesquisadores de arqueologia subaquática tentam mapear esses destroços, entendendo seu valor histórico.
Mas muitos cascos ainda jazem sem identificação oficial, apagados pelo tempo e pela poluição.
Enquanto isso, moradores e pescadores mantêm viva a tradição oral, narrando histórias que transformam a baía em algo mais que um ponto turístico: um espaço onde o passado e o sobrenatural convivem.
O legado sombrio da Guanabara
O “Cemitério Flutuante” não é apenas um amontoado de ferragens é um mosaico da memória brasileira.
Cada casco, cada naufrágio, conta um pedaço da história: das disputas coloniais à modernização da Marinha, dos tempos de glória aos de abandono.
E mesmo assim, a cada pôr do sol, a sensação é de que algo se move sob as águas. Um sussurro, uma sombra, uma lembrança que ressurge.
A Baía de Guanabara é, afinal, um espelho: reflete tanto a beleza do Rio quanto as profundezas sombrias da sua história, uma necrópole marinha que insiste em respirar.





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