As ruínas do São Francisco do Sul: Entre o abandono e o mistério
- Thais Riotto
- 4 de ago.
- 3 min de leitura

Local: Balneário Capri, em São Francisco do Sul, Santa Catarina/BR
À sombra da vegetação densa do Balneário Capri, em São Francisco do Sul (SC), estão os restos silenciosos de um capítulo pouco conhecido da história brasileira.
As ruínas do antigo leprosário, hoje engolidas pela mata e pelo esquecimento, ainda murmuram as dores do passado entre colunas rachadas, corredores vazios e lendas que insistem em sobreviver.
Uma história que começa com isolamento
O prédio que hoje assombra os moradores da região foi, no passado, um local de dor e reclusão. O terreno tem raízes ainda mais antigas: no século XVII, abrigou um mosteiro beneditino, construído com pedra, cal feita de conchas e até óleo de baleia. Séculos depois, já no final do século XIX, o local foi adaptado para servir como sanatório.
Por ordem do imperador Dom Pedro II, o prédio passou a funcionar como um hospital-colônia para doentes com hanseníase, tuberculose, escorbuto e febre amarela.
Naquela época, o medo da contaminação era maior que a compaixão. Os doentes eram enviados para o local em definitivo. Isolados da sociedade, poucos saíam de lá vivos. Muitos foram enterrados em uma ilha próxima, num cemitério igualmente esquecido.
Arquitetura da exclusão
O que resta hoje do sanatório são pilares em ruínas, corredores que já foram cheios de vozes e paredes úmidas cobertas por vegetação.
A construção, ainda que degradada, impressiona. Feita com materiais locais e técnicas coloniais, como o uso de óleo de baleia para dar liga à argamassa, a estrutura carrega consigo a memória física de séculos.
Antes de se tornar hospital, o local serviu também como abrigo para criadores de cabras o que teria originado o nome do bairro: “Capri”.
Abandono e esquecimento
Após a desativação do leprosário, o local foi deixado à própria sorte. Durante décadas, os moradores evitavam a área por medo de contaminação ou pelas histórias que começaram a circular.
Recentemente, o poder público deu início a projetos para reabrir o acesso, limpar as trilhas e até propor a valorização do espaço como ponto turístico-cultural.
No entanto, o local ainda não é tombado oficialmente, e a restauração estrutural permanece pendente.
A estrada até lá é de terra, o mato avança sobre o que restou da construção, e o risco de desabamento exige cautela de qualquer visitante curioso.
Lendas, aparições e o peso invisível
Com o abandono veio o silêncio. E com ele, as histórias. O que antes era apenas ruína, passou a ser visto como local de manifestações paranormais.
Muitos moradores e visitantes relatam sensações físicas intensas ao se aproximar: dores de cabeça súbitas, enjoo, vertigem e arrepios como se algo invisível pesasse sobre o ambiente.
Outros falam de vozes abafadas, como sussurros, lamentos e até gritos pedindo ajuda.
E há quem diga ter visto vultos humanos, translúcidos, movendo-se entre os pilares.
Aparecem e somem rapidamente, como se estivessem tentando evitar serem vistos. As histórias mais antigas falam de pacientes que morreram ali e nunca encontraram paz, ou que simplesmente não aceitaram ter sido esquecidos.
Esses relatos não são apenas folclore barato: são manifestações orais de um passado real e cruel. Pessoas que foram afastadas de tudo o que conheciam, tratadas como ameaça, e encerradas entre paredes frias até o fim da vida.
Memória viva de uma ferida histórica
O antigo leprosário de São Francisco do Sul é muito mais do que um lugar “assombrado”. Ele representa uma página dolorosa da história da saúde pública no Brasil uma época em que o preconceito e o medo definiram as políticas de isolamento.
A presença constante de lendas, fantasmas e ruídos não é mero acaso: são as cicatrizes emocionais deixadas por décadas de sofrimento e abandono.
Preservar essas ruínas não é apenas uma questão de patrimônio material.
É também garantir que as histórias dos que viveram ali e talvez ainda habitem suas sombras não sejam apagadas.





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