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Tubarões Contaminados por Cocaína na Costa Brasileira: Um Alerta sobre a Poluição Química Emergente.

Foto: FIOCRUZ
Foto: FIOCRUZ

Local: Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro/BR


Introdução

Em 2024, um estudo conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e publicado no periódico Science of the Total Environment trouxe à tona um achado inédito e preocupante: a detecção de resíduos de cocaína (COC) e de seu principal metabólito, a benzoilecgonina (BE), em tubarões da espécie Rhizoprionodon lalandii (conhecidos popularmente como tubarões-bico-fino), capturados no litoral da zona oeste do Rio de Janeiro, especificamente em Recreio dos Bandeirantes.


Este marco científico representa o primeiro registro mundial de contaminação por drogas ilícitas em elasmobrânquios e evidencia um novo capítulo na problemática dos contaminantes emergentes nos ambientes marinhos.

 

Metodologia e Amostragem


  • Espécie analisada: Rhizoprionodon lalandii.

  • Número de indivíduos: 13 (3 machos e 10 fêmeas).

  • Período de coleta: setembro de 2021 a agosto de 2023.

  • Locais: águas costeiras do Recreio dos Bandeirantes (Rio de Janeiro).

  • Tecidos estudados: músculo e fígado.

  • Técnica laboratorial: cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas em tandem (LC-MS/MS), conduzida em laboratório especializado.

 

A escolha dessa espécie se justifica por sua ocorrência abundante em águas costeiras rasas e sua relevância na cadeia trófica, o que permite avaliar riscos potenciais para o ecossistema e para a saúde pública.

 

Resultados Principais


Os resultados revelaram uma contaminação generalizada:

 

  • Cocaína (COC): detectada em 100% dos 13 tubarões analisados.

  • Benzoilecgonina (BE): presente em 12 dos 13 indivíduos.

Concentrações médias encontradas

  • Cocaína: 23,0 µg·kg⁻¹ (média geral).

    • No músculo: 33,8 ± 33,4 µg·kg⁻¹.

    • No fígado: 12,2 ± 14,2 µg·kg⁻¹.

  • Benzoilecgonina: 7,0 µg·kg⁻¹ (média geral).

 

Diferenças entre sexos

  • Fêmeas apresentaram concentrações significativamente mais altas de cocaína no músculo:

    • Fêmeas: 40,2 ± 35,8 µg·kg⁻¹.

    • Machos: 12,4 ± 5,9 µg·kg⁻¹.


 

Correlações observadas

  • Relação positiva entre cocaína e benzoilecgonina (rho = 0,84 em fêmeas).

  • Associação entre BE e peso corporal (rho = 0,62).

  • Correlação entre cocaína e índice de condição (rho = 0,73).

  • Em fêmeas não grávidas, BE e COC no músculo mostraram correlação perfeita (rho = 1,00), sugerindo exposição sistêmica e metabolismo ativo da droga nos organismos.

 

Fontes Potenciais de Contaminação

A presença de cocaína em tubarões pode ser atribuída a múltiplas rotas:

 

Descarga de esgoto doméstico: usuários humanos excretam cocaína e BE, que passam por sistemas de tratamento muitas vezes ineficientes antes de atingir o mar.


Resíduos de laboratórios clandestinos de refino: descartes irregulares de processos químicos usados no preparo da droga.


Tráfico marítimo: perda ou descarte proposital de carregamentos ilícitos no oceano.

 

A região de coleta (Recreio dos Bandeirantes) sofre forte influência de descargas urbanas e de lagoas costeiras poluídas, o que reforça a hipótese da contribuição de esgoto urbano.

 

Comparações com Outros Estudos no Brasil


Pesquisas anteriores já haviam identificado a presença de cocaína e derivados em águas costeiras, sedimentos e moluscos bivalves:


  • Baía de Santos (SP): detecção de cocaína em água e em mexilhões (Perna perna).

  • Estudos experimentais com mexilhões e peixes (zebrafish): apontam efeitos tóxicos, incluindo danos oxidativos, genéticos e reprodutivos, mesmo em concentrações ambientalmente baixas.


Esses trabalhos indicam que o fenômeno da contaminação por drogas ilícitas não é isolado, mas parte de um cenário mais amplo de poluição química crônica.

 

Impactos Ambientais e Ecológicos


A presença de cocaína e de seu metabólito em tubarões representa uma ameaça ainda pouco mensurada, mas potencialmente grave:

 

  • Bioacumulação: substâncias podem se acumular nos tecidos dos animais, persistindo ao longo do tempo.

  • Alterações fisiológicas e reprodutivas: estudos em bivalves e peixes sugerem que drogas ilícitas causam estresse oxidativo, alterações genéticas e comprometimento da reprodução.

  • Risco à cadeia alimentar: como predadores, tubarões podem transferir contaminantes a outros organismos e até, indiretamente, ao ser humano.

  • Efeitos sinérgicos: quando somados a outros poluentes (como metais pesados e microplásticos), os danos podem ser intensificados.

 

Implicações para a Saúde Pública


Embora o contato humano direto com a água do mar contaminada seja considerado de baixo risco, existem preocupações legítimas:

 

  • Consumo de pescado: ainda que a carne de tubarão não seja amplamente comercializada no Brasil, há registros de venda irregular; a bioacumulação de cocaína e BE poderia representar risco alimentar.

  • Exposição indireta: a persistência desses compostos no ambiente pode afetar espécies de valor comercial, ampliando os riscos para o consumidor final.

 

Limitações do Estudo


  • Amostragem restrita: apenas 13 indivíduos, em uma área geográfica específica.

  • Ausência de análises ambientais diretas: não foram coletadas amostras de água e sedimento no mesmo período, o que dificulta o rastreamento exato da origem.

  • Falta de séries temporais: ainda não se sabe se essa contaminação é pontual, sazonal ou crescente.

 

Direções Futuras de Pesquisa


Os autores e especialistas sugerem próximos passos essenciais:

  1. Monitoramento sistemático de águas, sedimentos e diferentes espécies marinhas ao longo da costa brasileira.

  2. Estudos toxicológicos controlados em organismos locais para determinar impactos fisiológicos e reprodutivos.

  3. Investigação das fontes urbanas e clandestinas para identificar e mitigar pontos críticos de entrada da droga no ambiente.

  4. Avaliação da biomagnificação ao longo da cadeia alimentar, com foco em espécies de consumo humano.

 

O achado da Fiocruz inaugura um campo de preocupação emergente: a contaminação marinha por drogas ilícitas.


O fato de todos os tubarões analisados apresentarem cocaína em seus tecidos aponta para uma poluição invisível, mas persistente, com implicações ecológicas e sociais significativas.


A descoberta reforça a urgência de incluir drogas ilícitas na agenda de contaminantes emergentes, exigindo monitoramento contínuo, políticas públicas integradas e conscientização sobre como atividades humanas, inclusive o narcotráfico e a má gestão do esgoto, deixam marcas profundas no equilíbrio dos ecossistemas marinhos brasileiros.




Bibliografia


ARAUJO, G. de F. et al. “Cocaine Shark”: First report on cocaine and benzoylecgonine detection in sharks. Science of the Total Environment, v. 917, p. 170788, 2024. DOI: https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2024.170788


INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Inédito: pesquisa da Fiocruz detecta contaminação por cocaína em tubarões. Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://www.ioc.fiocruz.br/en/noticias/inedito-pesquisa-da-fiocruz-detecta-contaminacao-por-cocaina-em-tubaroes. Acesso em: 25 set. 2025.


HAUSER-DAVIS, R. A. Emerging contaminants in aquatic ecosystems: Illicit drugs as overlooked pollutants. Environmental Advances, v. 2, p. 100026, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.envadv.2020.100026


SILVA, B. F. et al. Cocaine and metabolites in Brazilian coastal waters: occurrence, sources and environmental risk. Marine Pollution Bulletin, v. 168, p. 112461, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.marpolbul.2021.112461


ARAUJO, G. de F. et al. Oxidative effects of cocaine and benzoylecgonine at environmentally relevant concentrations in zebrafish (Danio rerio). Environmental Pollution, v. 334, p. 122209, 2025. DOI: https://doi.org/10.1016/j.envpol.2024.122209


SANTOS, L. H. M. L. M. et al. Ecotoxicological effects of illicit drugs on aquatic organisms: A critical review. Environmental Research, v. 186, p. 109531, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.envres.2020.109531

1 comentário

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Telma
02 de out.
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Sei que a matéria é real e séria por estar no seu blog, e conheço suas pesquisas, e livros... há bastante tempo, mas chega ser um absurdo pensar que chegamos a esse ponto. Tem razão S.O.S oceano e Planeta Terra.


Quando o mundo vai acordar???

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