Psicologia do Medo e sua Relação com o Turismo de Terror
- Thais Riotto
- há 2 horas
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O medo é uma emoção primária essencial à sobrevivência humana, responsável por preparar o organismo para enfrentar situações de risco real ou percebido.
Contudo, em contextos contemporâneos, essa emoção ultrapassa sua função biológica e assume também papéis culturais e sociais, tornando-se objeto de consumo e entretenimento.
Nesse sentido, observa-se o crescimento do turismo de terror, modalidade que se insere no escopo mais amplo do dark tourism, e que consiste na visitação de locais marcados por lendas, tragédias ou narrativas sobrenaturais, com a finalidade de vivenciar experiências emocionais intensas.
A relação entre a psicologia do medo e o turismo assombrado revela-se complexa e multifacetada, articulando aspectos neurobiológicos, motivacionais, culturais e éticos.
Objetivos
Compreender a psicologia do medo a partir de sua base biológica e comportamental.
Analisar de que forma o turismo assombrado utiliza mecanismos psicológicos para promover experiências emocionais.
Discutir as motivações dos turistas que buscam esse tipo de vivência.
Refletir sobre impactos positivos e negativos, considerando aspectos éticos e sociais.
Psicologia do medo
O medo é definido como uma resposta emocional a ameaças imediatas e específicas, envolvendo tanto a percepção cognitiva do perigo quanto reações fisiológicas e comportamentais (LeDoux, 2015). Estruturas como a amígdala, o córtex pré-frontal e o hipocampo desempenham papéis fundamentais nesse processo, ativando respostas de luta, fuga ou congelamento (Gray & McNaughton, 2000).
Apesar de seu caráter aversivo, o medo também pode gerar prazer em ambientes controlados.
Essa experiência paradoxal é explicada pela liberação de adrenalina e dopamina, que proporcionam excitação e sensação de superação após a exposição ao estímulo ameaçador (Zuckerman, 1994).
Turismo de terror e dark tourism
O turismo assombrado integra o campo do dark tourism, que engloba práticas relacionadas a locais de morte, sofrimento e eventos traumáticos (Stone, 2006).
Especificamente, o turismo assombrado combina narrativas sobrenaturais, histórias trágicas e ambientações sombrias para provocar emoções intensas nos visitantes (Hanks, 2017).
Pesquisas indicam que as motivações para consumir esse tipo de experiência incluem:
Curiosidade mórbida sobre o sobrenatural e o proibido (Biran & Poria, 2012);
Busca por excitação em contextos seguros (sensation-seeking);
Processamento simbólico de questões existenciais, como a morte e a finitude da vida (Stone, 2013).
Exemplos incluem os tours de fantasmas em Edimburgo, Escócia, os roteiros históricos de Salem, EUA, e até experiências no Brasil, como passeios em antigos sanatórios ou casarões coloniais carregados de lendas.
A análise psicológica do turismo assombrado evidencia que o medo, quando vivenciado em um contexto controlado, torna-se um recurso turístico eficaz. Operadores utilizam estratégias narrativas (storytelling), efeitos sensoriais (iluminação, sons, cenários) e recursos de antecipação para intensificar a experiência emocional.
Esse processo gera uma “montanha-russa emocional” marcada pelo suspense, pelo susto e pelo alívio, o que reforça a memória e a satisfação do visitante.
Além disso, vivenciar o medo em grupo fortalece vínculos sociais. Risos nervosos, gritos coletivos e comentários compartilhados transformam a experiência individual em memória social.
Esse fator social é crucial para a popularidade do turismo assombrado, pois amplia a narrativa pós-evento e estimula o boca-a-boca.
No entanto, a prática levanta questões éticas. Quando o entretenimento envolve locais associados a tragédias reais, há risco de banalizar o sofrimento humano.
A comercialização de prisões abandonadas, hospitais psiquiátricos ou espaços de massacre deve ser cuidadosamente mediada para evitar desrespeito às vítimas e comunidades locais. Nesse sentido, a participação comunitária e a transparência na abordagem das narrativas são medidas essenciais.
Outro ponto de discussão é o impacto sobre os turistas. Para muitos, a experiência promove bem-estar e sensação de superação; para outros, especialmente indivíduos com ansiedade ou trauma, pode gerar desconforto significativo.
Assim, operadores de turismo devem equilibrar emoção e segurança, oferecendo avisos prévios e alternativas para diferentes perfis de visitantes.
O turismo assombrado representa uma intersecção entre psicologia, cultura e mercado, na qual o medo deixa de ser apenas um mecanismo de defesa e se converte em recurso de lazer e reflexão.
Analisado sob a perspectiva da psicologia do medo, compreende-se que a atração pelo “medo seguro” está relacionada tanto à excitação fisiológica quanto às motivações socioculturais dos indivíduos.
Entretanto, a prática requer atenção aos limites éticos e à diversidade de reações psicológicas entre os turistas.
Para que o turismo assombrado seja sustentável e socialmente responsável, é necessário equilibrar autenticidade histórica, respeito às comunidades locais e o uso consciente do medo como experiência de consumo.
No contexto brasileiro, diversas pesquisas têm investigado a prática do turismo sombrio. Heringer (2020), em estudo sobre cemitérios urbanos, e Galletto (2022), em análise de patrimônios urbanos com conotação macabra, mostram que o interesse por locais assombrados é frequentemente mediado por narrativas culturais, lendas locais e tradições populares. Esses elementos contribuem para a construção de experiências imersivas que estimulam o medo de maneira segura e socialmente aceitável.
Além da perspectiva cultural, a psicologia do medo oferece explicações sobre por que indivíduos buscam tais experiências. Penha (2021), por exemplo, utiliza a psicanálise para abordar o horror como uma experiência estética e emocional, na qual o medo é transformado em fascínio e prazer. Do mesmo modo, análises sobre casas assombradas e atrações turísticas controladas indicam que a sensação de perigo, quando acompanhada da segurança percebida, provoca uma descarga emocional intensa que fortalece vínculos sociais e gera satisfação individual.
Em síntese, a relação entre psicologia do medo e turismo assombrado evidencia como uma emoção originalmente adaptativa pode ser reinterpretada e utilizada em contextos de lazer e cultura.
O turismo sombrio não apenas permite que indivíduos confrontem seus medos em ambientes controlados, mas também oferece uma oportunidade para compreender a dimensão psicológica e sociocultural do medo, aproximando o estudo acadêmico da experiência prática dos turistas.
Referências
Biran, A., & Poria, Y. (2012). Dark tourism and pilgrimage: A journey to the dead. Annals of Tourism Research, 39(2), 820-841.
Gray, J. A., & McNaughton, N. (2000). The Neuropsychology of Anxiety: An Enquiry into the Functions of the Septo-Hippocampal System. Oxford University Press.
Hanks, M. (2017). Haunted heritage: The cultural politics of ghost tourism, populism, and the past. Routledge.
LeDoux, J. (2015). Anxious: Using the Brain to Understand and Treat Fear and Anxiety. Viking.
Stone, P. (2006). A dark tourism spectrum: Towards a typology of death and macabre related tourist sites, attractions and exhibitions. Tourism: An Interdisciplinary International Journal, 54(2), 145–160.
Stone, P. (2013). Dark tourism scholarship: A critical review. International Journal of Culture, Tourism and Hospitality Research, 7(3), 307–318.
Zuckerman, M. (1994). Behavioral Expressions and Biosocial Bases of Sensation Seeking. Cambridge University Press.
ANDRÉ, Christophe. Psicologia do medo. [Edição em português]. [Local de publicação]: [Editora], [Ano].
GALLETTO, Karen Cristina. O Dark Tourism como possibilidade de estudo do turismo macabro: análise de contextos urbanos. [Cidade]: [Instituição], 2022. Dissertação de [tipo de curso].
HERINGER, Stephanie. Turismo macabro: análise histórica e de campo do turismo em cemitérios e espaços “macabros” no Brasil. [Cidade]: [Universidade], [Ano]. Monografia.
PENHA, Diego Amaral. Faces do horror em Freud: palavras, gestos e imagens. São Paulo: IP-USP, 2021. Tese de Doutorado.
XAVIER, I. F. Fatores cognitivos e afetivos que motivam o turismo obscuro. [Cidade]: [Instituição], 2021. Dissertação de Mestrado.
“Turismo & Hotelaria no contexto do Dark Tourism”. [Local de publicação]: [Editora], [Ano]. Coletânea.
“Mistérios dispersos na geografia do medo”. Terrabrasilis. [Local de publicação], [Ano]. Artigo interdisciplinar.
“Viagem ao Planeta Mal-Assombrado”. Melhoramentos, 2007. Livro.
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